domingo, 8 de novembro de 2009

(...) E resolvendo-me a não procurar mais outra ciência senão a que pudesse descobrir em mim próprio, ou então no grande livro do mundo, empreguei o resto da minha juventude a viajar, a ver cortes e exércitos,a frequentar pessoas de diversas experiências, a experimentar-me a mim próprio nos encontros que a sorte me proporcionava e por toda a parte a reflectir sobre as coisas que se me apresentassem, de modo que delas pudesse tirar algum proveito. Pois parecia-me que poderia encontrar muito mais verdade nos raciocínios que cada um faz sobre os assuntos que lhes interessam e cujo acontecimento depressa o deve punir em seguida, se julgou mal, do que naqueles que, no seu gabinete, formula um homem de letras em torno de especulações que não produzem efeito algum e que não têm para ele outra consequência senão, talvez, a de colher tanta mais vaidade quanto mais afastadas elas estiverem do senso comum, em virtude do muito espírito e artifício que têm de empregar para as tornar verosímeis.

(...)

Mas, depois de assim ter dispendido alguns anos a estudar no livro do mundo e a procurar adquirir alguma experiência, tomei um dia a resolução de estudar também a mim próprio e de empregar todas as forças do meu espírito a escolher os caminhos que devia seguir. O que me parece ter dado muito melhor resultado do que se nunca me tivesse afastado nem da minha terra natal, nem dos meus livros.

René Descartes, Discurso do Método

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