quarta-feira, 7 de maio de 2008

1900

- Se se pudesse ver agora, Senhor Alfredo.
Isto não é forma de um patrão morrer.
Porque é que tinha de soltar as vacas? Era para eu ter mais trabalho?
Talvez a verdade seja que quando um homem não faz nada a vida toda, fica com demasiado tempo para pensar, e pensar torna-o estúpido.

Eu pelo menos sabia quem tu eras e tu sabias quem eu era. Sabia quem dava ordens. Um boi grande e feio. Mas agora, quem sabe o que acontecerá sem ti?

(...)

- Pousa esse bicho da seda. Pousa-o.
- Porque o pousaria?
- Porque sabes que estão ao meu cuidado.
- Mas eu posso tocar nestes bichos da seda tanto quanto quiser.
- És estúpido.
- Não. Sabes, sou o patrão.
- Mas os ninhos são meus. Ninguém deve interferir.
- Porque não?
- Porque eu alimento-os, percebes? Pousa-os.
- Só quando me apetecer.
Mesmo que os alimentes, os bichos da seda continuam a ser todos meus.
E as frutas também são minhas. E a ceifeira mecânica. E o trigo é meu. Este bicho é meu. As vacas são todas minhas,
Até a família Dalco me pertence.
E tu também me pertences.


Bernardo Bertolucci, 1900

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