sexta-feira, 3 de abril de 2009

"Não percebo", disse a menina Vauthier, desorientada. "A sua mãe é muito crente, muito piedosa: e tem tanto medo da morte!" (...) a Mamã não temia nem Deus nem o diabo: só temia ser obrigada a deixar a vida terrena. A minha avó sabia que estava a morrer. Disse com ar contente: "Vou comer mais um ovinho cozido e depois vou ao encontro de Gustave". (...) A mamã amava a vida como eu e sentia face à morte a mesma revolta que eu. Durante a sua agonia, recebi muitas cartas que comentavam o meu último livro: "Se não tivesse perdido a fé, a morte não a aterrorizaria tanto", escreviam alguns devotos com uma cruel comiseração. Outros leitores generosos animavam-me: "Desaparecer, não significa nada: a sua obra permanecerá". E a todos eles eu respondia interiormente que estavam equivocados. A religião da minha mãe ou a esperança num sucesso póstumo não podiam valer-nos. A imortalidade celeste ou terrena não é uma consolação da morte quando se quer tanto viver.

(...)

Não existe uma morte natural, nada do que acontece ao ser humano é natural já que a sua presença põe o próprio mundo em questão. Sim, todos os homens são mortais; mas, para cada um deles, a sua própria morte é um acidente e, mesmo se a conhece e aceita, uma violência ilegítima.

Simone de Beauvoir, Uma Morte Suave

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